De Mileto ao GPS: o nascimento da organização urbana

Imagine caminhar sem mapa ou GPS e ainda assim conseguir se localizar, apenas observando o espaço ao seu redor. Atualmente, a tecnologia é uma forte aliada para nossa orientação.  Porém, no passado, a população se localizava nas cidades por meio do planejamento urbano. A organização espacial urbana é uma preocupação desde a Grécia Antiga e continua a influenciar nossa vida até os dias atuais.

Segundo  Aristóteles , um bom planejamento urbano deve levar em consideração elementos relacionados à saúde pública, como arborização para garantir ar puro e fornecimento de água potável. Além disso, também deve proteger a cidade em tempos de conflito.  Naquela época, as cidades eram construídas e refletiam o modelo de governo. As cidades fortificadas eram associadas a  oligarquias e monarquias . Já as cidades com estruturas planas e abertas eram relacionadas à  democracia . Isso demonstra que o desenvolvimento das cidades está intrinsecamente ligado com a geografia local e a política de uma sociedade.  Escola de Atenas (Scuola di Atene), pintura do renascentista italiano Rafael

 No século V a.C., Hipódamo de Mileto projetou uma cidade que se tornaria exemplo por milhares de anos: Mileto . Mileto foi reconstruída após sua destruição pelos persas e o plano de Hipódamo previa ruas retilíneas que se cruzavam em ângulos retos, formando quarteirões organizados. O sistema criado por Hipódamo também ficou conhecido como  plano hipodâmico , em que as cidades eram organizadas através de ruas dispostas numa matriz ortogonal, criando blocos habitacionais entre elas, sendo que todos os edifícios públicos e religiosos ou praças se encaixam nessa malha.  Essa organização facilitou a locomoção e a localização dos cidadãos de Mileto.  Modelo da cidade de Mileto durante o período do Império Romano 

 A mesma busca por equilíbrio que orientava a organização das cidades também inspirava a arquitetura.  Diferentemente das construções monumentais do Egito, que tinham como foco exaltar as divindades, a arquitetura grega tinha como influência as medidas do próprio ser humano . Isso reflete os valores religiosos harmônicos da sociedade, já que os deuses gregos são conhecidos por terem aparência, personalidade e defeitos semelhantes aos dos seres humanos.  Assim, seguindo os elementos de harmonia, equilíbrio e proporção, os templos gregos traziam colunas igualmente espaçadas entre si e sobre elas o entablamento, parte superior das construções. Essas características gerais deram origem às ordens clássicas da arquitetura .  Dentre as três ordens clássicas mais conhecidas temos a dórica, jônica e coríntia . A ordem dórica é conhecida por ser simples e maciça, representando o ideal masculino. A maior expressão dessa ordem é o Partenon, construído de acordo com a proporção ...

  Um das pessoas mais influentes da história da arquitetura foi Vitrúvio, arquiteto romano famoso pela sua principal obra De Architectura (Os Dez Livros da Arquitetura), o tratado mais antigo da disciplina. A obra incluía orientações para projetos e construções de templos e residências, bem como informações sobre tecnologia e engenharia romana, de máquinas de guerra até aquedutos e relógios de água. Vitrúvio destacava a importância das proporções humanas na construção dos templos e cidades, fortalecendo padrões clássicos de arquitetura que seriam base para o Renascimento e para muitas construções modernas. 

 Outro ponto de destaque da arquitetura grega é o cuidado com a acústica nos teatros.  Antes construídos em espaços improvisados, os gregos passaram a projetar teatros como o de Epidauro a partir do século V a.C. Esses teatros eram construídos em áreas afastadas, onde o nível de ruído era menor. Aqueles localizados dentro das cidades eram isolados por muros para que o silêncio fosse garantido. O formato geométrico de semicírculo favorecia a propagação do som do centro até as bordas. Quanto à questão térmica, os teatros eram construídos de tal modo que o vento soprasse na direção do palco à plateia e as apresentações eram marcadas para horários favoráveis. Isso demonstra como os gregos uniam beleza, funcionalidade e conhecimento científico em suas construções.

 A organização das cidades reflete o modo como as sociedades pensam e vivem. Desde a Grécia Antiga, a busca por ordem, harmonia e funcionalidade influencia não só onde moramos, mas também como nos relacionamos com o espaço ao nosso redor. Os ensinamentos de Aristóteles, Hipódamo e Vitrúvio mostram que planejar uma cidade é muito mais que construir ruas é prédios, é contruir uma forma de vida.